O Direito do Trabalho possui como um de seus “pilares de sustentação” o Princípio da Proteção, através do qual se reconhece a existência de uma histórica relação de desigualdade de forças entre “patrão” e empregado, reivindicando, por isso, a necessidade de correção desta distorção mediante a proteção do trabalhador – parte hipossuficiente e mais vulnerável.
Trata-se, portanto, de uma verdadeira conotação teleológica de proteger o trabalhador com o Estado assumindo um dirigismo contratual nas relações de trabalho, de modo a assegurar que as normas trabalhistas representem sempre um piso mínimo, isto é, impedindo que se conceda menos do que uma “mínima condição existencial” de trabalho.
Aliás, numa perspectiva do Direito Constitucional, a situação em questão faz emergir também a chamada Teoria Diagonal dos Direitos Fundamentais, na qual se reconhece que, mesmo nas relações privadas (particular-particular), podem existir as desigualdades de forças, de modo que o princípio da autonomia da vontade privada não pode suplantar a concretização de direitos fundamentais.
TRABALHADOR HIPERSUFICIENTE
A Lei Federal n.º 13.467/2017 introduziu, no ordenamento jurídico brasileiro, a chamada “Reforma Trabalhista”, e, com ela, surgiu o conceito do denominado empregado “hipersuficiente”. Esse neologismo foi criado justamente para se contrapor à ideia clássica de trabalhador hipossuficiente/vulnerável.
Nos termos do §ú do art. 444 da CLT, o chamado trabalhador “hipersuficiente” seria aquele que possui: a) diploma de nível superior; e b) receba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Assim, uma vez satisfeitos esses requisitos legais, é conferido a este trabalhador um menor grau de “proteção”, já que se assume uma presunção legal de que ele possui uma “capacidade maior” de se impor diante das negociações de seu contrato de trabalho.
Tanto isso é verdade que o empregado qualificado como “hipersuficiente” detém a possibilidade de livre estipulação de seu contrato de trabalho de maneira individual e direta com seu empregador, inclusive com a eventual prevalência daquilo que foi negociado sobre a própria lei, desde que respeitadas, é claro, às disposições de ordem pública de proteção ao trabalho.
NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO E AS CONVENÇÕES DA OIT
Como é cediço, a Reforma Trabalhista promoveu uma série de inovações no cenário jurídico-trabalhista, dentre as quais destaco o famigerado “negociado sobre o legislado”. Tal novidade permite que alguns assuntos sejam objeto de negociação coletiva e até mesmo tenha prevalência sobre a lei, quando dispuserem sobre as matérias previstas no art. 611 – A da CLT.
A esse respeito, contudo, reputo cabível uma indagação:
Poderia uma matéria negociada entre as partes (art.611-A, CLT) ignorar/desprezar uma proteção social prevista em Convenções Internacionais da OIT (Organização Internacional do Trabalho)?
Com o máximo e devido respeito, entendo que não.
Explico.
O fato é que as Convenções Internacionais da OIT – devidamente ratificadas pelo Brasil – tratam-se de direitos sociais, ou seja, indubitavelmente dizem respeito a Direitos Humanos.
Neste cenário, válido lembrar que os Tratados Internacionais que versem sobre Direitos Humanos e que tenham sido aprovados na forma do art. 5.º, §3º da CF/88 ostentam a condição de Emendas Constitucionais. De outra parte, os Tratados Internacionais que versem sobre Direitos Humanos, mas que não tenham sido aprovados na forma do art. 5.º, §3º da CF/88, apresentam o status de norma supralegal.
Em ambas as situações é de se notar que a Convenção da OIT ostentará uma posição hierarquicamente superior à legislação ordinária (art. 611 – A, CLT), de modo que se tornaria inaplicável a legislação infraconstitucional com ela conflitante.
Autor: Fernando Magalhães Costa
Disponível no site: https://jus.com.br/artigos/77802/o-trabalhador-hipersuficiente-e-a-liberdade-para-a-negociacao-de-seus-contratos-de-trabalho